Paraná tem 2,7 mil crianças e adolescentes vivendo em abrigos ou acolhidos

Os impactos econômicos e sociais da pandemia do novo coronavírus estão se fazendo refletir na vida de crianças e adolescentes de todo o Paraná, piorando um cenário que já era grave e exacerbando as mais diversas vulnerabilidades e violências que acometem e são cometidas contra a juventude paranaense.

Segundo dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), até o último dia 21 haviam 2.734 crianças e adolescentes acolhidas em todo o estado. Trata-se de um número bastante volátil, que muda conforme o número de adoções e reintegrações efetivadas. De toda forma, nos últimos anos essa estatística tem se mantida num patamar entre 2,5 mil até 3 mil acolhidos, conforme aponta a juíza paranaense Noeli Salete Tavares Reback, presidente do Colégio de Coordenadores da Infância e Juventude dos Tribunais de Justiça do Brasil.

A medida de acolhimento é a medida mais grave, mais severa, a última. Quando uma criança é acolhida, é porque a rede de apoio do município, do estado e da união já fizeram tudo que era possível”, diz a magistrada, explicando ainda que a homologação da medida, de tão grave, exige sempre homologação por parte de um juiz. “O direito à convivência familiar está na essência dos cuidados que temos de ter com as crianças e adolescentes.”

O principal motivo para o acolhimento é o abandono, situação que vem numa crescente desde 2019. O problema diz respeito não apenas às situações em que o pai e/ou a mãe desaparecem, mas trata também de situações em que os pais ou responsáveis não têm os cuidados mínimos para atender as necessidades dos jovens e cumprir com as obrigações inerentes ao poder familiar. Concomitante, também têm se tornado mais frequentes os casos de pais envolvidos com a drogadição (inclusive durante a gestação) e as situações de maus-tratos.

“Maus-tratos psicológico e físico têm acontecido de maneira muito forte, principalmente a partir da pandemia”, destaca Noeli Reback, que é também juíza de Direito titular da Vara da Infância e Juventude de Ponta Grossa e Coordenadora Estadual da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR).

Ainda segundo ela, no começo da pandemia o número de denúncias de violações caíram muito. Isso, no entanto, não significou que mais jovens estavam tendo seus direitos respeitados. E hoje já se sabe que, na verdade, ocorreu exatamente o contrário.

“A partir de 2021 esses números aumentaram e vemos de maneira muito nítida que a pandemia foi um momento de maior sofrimento ainda, em que tivemos mais crianças e adolescentes vítimas. O abuso sexual , a exploração, os maus-tratos e a ausência do atendimento mínimo são fatores muito fortes que levam ao acolhimento”, afirma a magistrada, citando ainda que a vulnerabilidade da família como um todo aumentou, uma realidade evidenciada, por exemplo, pela percepção de aumento no número de crianças em situação de rua. “Toda a vulnerabilidade que tínhamos no início de 2020 já era muito grave, mas a pandemia trouxe outros fatores que agravaram isso tudo ainda mais.”

Foco é a reintegração, mas nem sempre isso é possível

A partir do momento em que uma criança ou adolescente é acolhida, ela passa a viver numa instituição ou então com uma família acolhedora (o Bem Paraná fez uma reportagem no Dia das Mães contando sobre essas famílias em Curitiba). Enquanto isso, o Poder Judiciário e as redes de proteção iniciam uma série de diligências, cujo intuito é dar estrutura mínima para a família de origem, a fim de que haja a reintegração desse jovem. Em 2022, por exemplo, 662 jovens foram reintegrados ao convívio familiar até 21 de julho. Em 2021 e 2020, ao longo de todo o ano, foram 1.305 e 1.298, respectivamente.

As diligências acontecem de maneira muito forte junto Às famílias biológicas, semprecom um olhar de que a criança tem vínculo com esses familiares. Uma criança acolhida sofre muito. Por mais que ela tenha sido maltratada, ela ama a família dela, é o vínculo que ela tem”, aponta a juíza paranaense, citando ainda que, apesar de todos os esforços para garantir uma estrutura mínima à família, nem sempre isso é o que acontece.

“O acolhimento se encerra via adoção ou reintegração. Se, apesar dos esforços, as diligências não surtem efeito, inicia-se a ação de destituição para colocação da criança numa família substituta. A reintegração é maior do que o encaminhamento à família substituta, embora esse encaminhamento seja muito forte. Mas o encaminhamento à adoção é a pior das medidas, algo muito grave e sério”, complementa Noeli Reback.

Estado conta com 379 jovens para adoção e 2,3 mil pretendentes

Ainda conforme dados do SNA, o Paraná possui 379 crianças ou adolescentes disponíveis para adoção, dos quais 149 estão vinculados a algum pretendente e outros 230, não. O número de pretendentes cadastrados no estado, por outro lado, é de 2.303, dez vezes maior que o de jovens aguardando a adoção e sem vinculação à pretendente. “É uma conta que não fecha e a gente sonha que feche um dia. A situação do Paraná não muda muito em relação ao Brasil”, aponta a juíza Noeli Reback.

Mas se temos mais pretendentes do que jovens disponíveis para adoção, por que eles não são encaminhados? “[Por causa de]O perfil. A idade aceita ainda é de crianças menores, principalmente de 0 a 2 anos, embora até cinco anos se tenha um olhar mais favorável. A partir do sexto ano cai o porcentual de pretendentes e também há a influência com relação ao número de irmãos, se essa criança tem necessidade especial, alguma necessidade física diferenciada, alguma doença.”

Por outro lado, a boa notícia é que esse perfil tem mudado a partir de iniciativas diversas, entre elas a capacitação e habilitação dos pretendentes. Além disso, iniciativas como o A.DOT, que tem o objetivo de encontrar famílias para crianças e adolescentes que se encontram aptas para adoção e que não tenham sido localizados pretendentes disponíveis e interessados em adotá-los, tem ajudado ainda mais para encontrar um lar crianças maiores, adolescentes, grupos de irmãos e acolhidos com deficiência ou problemas de saúde.

Departamento de Jornalismo

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